Micro-história, altruísmo e sustentabilidade: algumas considerações teológicas

A micro-história é um movimento historiográfico que surgiu no século XX e se preocupa com os pequenos acontecimentos da vida cotidiana. Esse movimento defende que a história não é feita apenas com grandes eventos, mas também com as pequenas ações das pessoas comuns, cujo comportamento tem impactos para além do ambiente imediato, pois atinge tanto o próximo quanto pode irradiar seus efeitos até o mais distante rincão.

Origem etimológica da palavra altruísmo

A palavra altruísmo foi criada pelo filósofo francês Auguste Comte, em 1830. Ela é derivada da palavra francesa “altruisme”, que significa “outro”. O altruísmo, portanto, é a atitude de se preocupar com o bem-estar do outro, mesmo que isso signifique um sacrifício pessoal.

No contexto do altruísmo, a micro-história nos lembra que as pequenas ações de amor ao próximo podem ter um grande impacto na vida das pessoas. Um sorriso, uma palavra de apoio, um gesto de gentileza, tudo isso pode fazer a diferença no dia de alguém.

Exemplos de altruísmo no cotidiano

  • Ser gentil com os outros: um simples gesto de gentileza pode fazer alguém se sentir melhor. Um sorriso, uma palavra de agradecimento, um elogio, tudo isso pode ser um ato de amor ao próximo.
  • Ajuda ao próximo: podemos ajudar o próximo de diversas maneiras, como doar alimentos, roupas ou brinquedos a pessoas necessitadas, ou simplesmente prestar um serviço voluntário em uma instituição social.
  • Perdão: perdoar alguém é um ato de amor e compaixão. Quando perdoamos, estamos libertando a nós mesmos e ao outro do peso do ressentimento.
  • Compreensão: compreender o outro é um passo importante para o amor ao próximo. Quando nos colocamos no lugar do outro, podemos entender suas dificuldades e frustrações.

Exemplos ecológicos de altruísmo

  • Coleta seletiva de resíduos: separar os resíduos para reciclagem é uma forma de reduzir a poluição e preservar o meio ambiente.
  • Redução do consumo de energia: desligar as luzes e os aparelhos eletrônicos quando não estiverem em uso é uma forma de economizar energia e reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
  • Consumo consciente: optar por produtos e serviços sustentáveis é uma forma de apoiar empresas que estão comprometidas com a preservação do meio ambiente.

Pegada ecológica no livro de Jonas

A história de Jonas pode ser interpretada como uma metáfora da sustentabilidade. A cidade de Nínive (hoje Iraque) representa a humanidade, que está destruindo o meio ambiente com seu estilo de vida  irresponsável. Jonas representa os profetas que alertam sobre os perigos da destruição, inclusive do iminente colapso ambiental decorrente dos excessos da civilização consumista de recursos naturais não renováveis.

A pegada ecológica é uma medida da quantidade de recursos naturais que uma pessoa, família ou comunidade usa. Quanto maior a pegada ecológica, maior o impacto ambiental que essa pessoa, família ou comunidade tem.

Ao meditar no conteúdo do livro de Jonas podemos inferir que a pegada ecológica da humanidade está crescendo pois, à semelhança dos ninivitas de então, nosso comportamento se torna insustentável quando consumimos mais recursos naturais do que o planeta pode suportar. Isso está levando a problemas ambientais, como mudanças climáticas, poluição e desmatamento. Até o rio Eufrates está secando.

A história de Jonas nos lembra que Deus é misericordioso e que sempre nos dá uma chance de arrependimento dos nossos pecados, inclusive os ecológicos. No entanto, também nos lembra que precisamos mudar nosso estilo de vida para assegurar proteção ao meio ambiente e sustentabilidade para as futuras gerações. Portanto, precisamos mudar nosso estilo de vida para reduzir nossa pegada ecológica e podemos fazer isso de várias maneiras, tais como:

  • Reduzir nosso consumo de energia e água.
  • Optar por produtos e serviços sustentáveis.
  • Reciclagem e compostagem.
  • Transporte público ou bicicleta.
  • Plantar árvores.
  • Coleta seletiva de resíduos.

A coleta seletiva de resíduos é um exemplo de altruísmo ecológico, pois é uma ação que beneficia a todos. Quando separamos os resíduos para reciclagem, estamos contribuindo para a redução da poluição, a preservação dos recursos naturais e a criação de empregos inclusivos de pessoas em situações de vulnerabilidade social, como os moradores de rua e os egressos do sistema carcerário que não encontram melhores oportunidades ocupacionais.

No caso da coleta seletiva de cacos de vidro, por exemplo, é importante que eles sejam acondicionados corretamente para evitar acidentes com os coletores (garis). Ao separar os cacos de vidro do lixo comum e colocá-los em um recipiente adequado, estamos demonstrando preocupação e cuidado com a segurança laboral do próximo. O imperativo do amor ao próximo, expresso na Bíblia, não se limita a grandes e heroicos feitos pontuais. Ele se expressa também em ações humildes e constantes no cotidiano de cada um.

A história da Igreja cristã está repleta de exemplos de pessoas que fizeram a diferença no mundo, a ponto de serem canonizadas como santos. Esses indivíduos são exemplos de santidade, que é a vida em comunhão com Deus e com o próximo. Alguns exemplos de santos que impactaram o mundo com seus pequenos gestos de santidade incluem:

  • São Francisco de Assis, que dedicou sua vida aos pobres e necessitados, e que é conhecido por sua humildade e simplicidade.
  • Santa Teresa de Calcutá, que dedicou sua vida aos pobres e doentes, e que é conhecida por seu amor e compaixão.
  • São Martinho de Tours, que dividiu seu manto com um mendigo, e que é conhecido por sua generosidade e solidariedade.
  • Santa Clara de Assis, que fundou a ordem das Clarissas, e que é conhecida por sua devoção a Deus e ao próximo.
  • São João da Cruz, que foi um grande poeta e místico, e que é conhecido por sua profundidade espiritual.

Embora o protestantismo não tenha um processo de canonização oficial, como a Igreja Católica, existem algumas figuras que são consideradas santos por algumas denominações protestantes. Aqui estão alguns exemplos de santos oriundos das igrejas protestantes:

  • Martinho Lutero, o líder da Reforma Protestante, é considerado um santo por algumas denominações luteranas. Ele é conhecido por sua defesa da Bíblia como a única fonte de autoridade religiosa, e por sua ênfase na fé e na graça de Deus.
  • John Wesley, o fundador do metodismo, é considerado um santo por algumas denominações metodistas. Ele é conhecido por seu foco no amor ao próximo e no serviço social.
  • Charles Spurgeon, um pregador batista do século XIX, é considerado um santo por algumas denominações batistas. Ele é conhecido por sua pregação poderosa e sua dedicação à evangelização.
  • Mahatma Gandhi, um líder do movimento de independência indiana, é considerado um santo por algumas denominações protestantes. Ele é conhecido por sua não-violência e seu compromisso com a justiça social.
  • Martin Luther King Jr., um líder do movimento dos direitos civis nos Estados Unidos, é considerado um santo por algumas denominações protestantes. Ele é conhecido por seu discurso “Eu tenho um sonho”, e por seu compromisso com a igualdade racial.

Esses indivíduos são exemplos de como o amor a Deus e ao próximo pode ser expresso de diferentes maneiras. Eles são um exemplo para todos nós, e nos mostram que, mesmo com pequenas ações, podemos fazer a diferença no mundo. O diferencial particular que levou essas pessoas a serem consideradas santos por algumas denominações protestantes é a sua profunda devoção a Deus e ao próximo. Eles eram movidos pelo amor a Deus e ao seu reino, e dedicaram suas vidas ao serviço do próximo, mesmo que isso significasse fazer sacrifícios pessoais. Eles são um exemplo de como o protestantismo pode inspirar a santidade e o amor ao próximo.

Esses santos são exemplos de como o altruísmo e a compaixão podem transformar o mundo. Suas pequenas ações, realizadas com amor e dedicação, tiveram um impacto positivo na vida de muitas pessoas. O diferencial particular que levou esses santos a impactar o mundo com seus pequenos gestos de santidade é a sua profunda comunhão com Deus. Essa comunhão lhes dava uma perspectiva diferente sobre a vida, fazendo-os ver o valor de cada pessoa, mesmo as mais necessitadas.

Os santos eram movidos pelo amor a Deus e ao próximo. Eles acreditavam que todos eram filhos de Deus, e que mereciam ser tratados com respeito e dignidade. Por isso, eles dedicaram suas vidas ao serviço do próximo, mesmo que isso significasse fazer sacrifícios pessoais. Os santos são um exemplo para todos nós. Eles nos mostram que, mesmo com pequenas ações, podemos fazer a diferença no mundo.

Considerações finais

O altruísmo é uma atitude que nos torna melhores pessoas. Quando praticamos o altruísmo, estamos contribuindo para um mundo mais justo e fraterno.

A micro-história nos lembra que as pequenas ações de altruísmo podem ter um grande impacto na vida das pessoas. Quando praticamos o altruísmo no nosso cotidiano, estamos construindo um mundo mais sustentável e justo.

Ao agir de modo diferente do escapismo do profeta Jonas e da irresponsabilidade socioambiental dos ninivitas, não poderemos mais negligenciar o compromisso vital de  reduzir nossa pegada ecológica, pois assim estaremos contribuindo para um futuro mais sustentável para todos.

No texto de Zacarias 4:10-12, o profeta fala sobre a importância da humildade e da constância na construção do reino de Deus. Ele compara o reino de Deus a uma torre que está sendo construída com tijolos pequenos e pedras fundamentais, de alicerce. Esse texto nos ensina que o altruísmo, assim como a construção do reino de Deus, é um processo lento e gradual. Ele é construído com pequenas ações humildes e constantes.

A história da Igreja cristã nos mostra que o altruísmo e a santidade são atitudes que podem transformar o mundo. Os santos são exemplos de como podemos, mesmo com pequenas ações, fazer a diferença na vida de outras pessoas. Que possamos nos inspirar nesses exemplos e viver uma vida mais altruísta e santa.

Referências bibliográficas

  • Agostinho de Hipona. As Confissões. São Paulo: Paulus, 2017.
  • Calvino, João. Institutas da Religião Cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2018.
  • Comte, Auguste. “Discours sur l’esprit positif.” In: Cours de philosophie positive. Paris: Bachelier, 1830.
  • Gandhi, Mahatma. Autobiografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
  • Goleman, Daniel. Inteligência emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.
  • King Jr., Martin Luther. Eu Tenho um Sonho. São Paulo: Paz e Terra, 2018.
  • Lutero, Martinho. As 95 Teses. São Paulo: Paulus, 2017.
  • Singer, Peter. Ética prática. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
  • Wesley, John. A Distinção entre o Justo e o Pecador. São Paulo: Vida Nova, 2017.

Por, Adauto Santos. Teólogo, escritor e professor.

2 commentários

  1. Recebi ontem um pedido de esclarecimento sobre os termos deste texto relacionados à “pegada ecológica em Jonas” e a “Gandhi e sua relação com Cristo”, ao que respondi o seguinte:
    1 – O livro de Jonas pode ser interpretado a partir de suas ricas referências à relação da rebeldia humana com os decorrentes fenômenos adversos da natureza (Gn 3:9-22). A tempestade provocada e aplacada após o lançamento do profeta ao mar, o seu inusitado transporte submarino de Társis até Nínive, a dimensão do peixe, a revogação da sentença de subversão da cidade, o diálogo acerca da “aboboreira”, etc.
    2 – Quanto a Gandhi, para saber mais visite esse link https://visao.pt/opiniao/ponto-de-vista/2019-02-13-gandhi-gostava-de-cristo-mas-nem-tanto-dos-cristaos/

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