Neste post, vamos refletir sobre a diferença entre compreensão e conhecimento, a partir de uma perspectiva teológica e filosófica. Para isso, vamos usar como referência o texto bíblico de Efésios 3:14-20, a obra de Schopenhauer, um dos maiores pensadores do século XIX, e o livro Filosofia e cosmovisão cristã, de J. P. Moreland e William Lane Craig, dois dos mais renomados filósofos cristãos da atualidade.

Em Efésios 3:14-20, o apóstolo Paulo ora pelos cristãos de Éfeso, pedindo que Deus lhes conceda, segundo as riquezas da sua glória, o poder de serem fortalecidos no seu interior pelo Espírito Santo. Ele também pede que Cristo habite nos seus corações pela fé, e que eles sejam enraizados e alicerçados no amor. Além disso, ele deseja que eles possam compreender, juntamente com todos os santos, qual é a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo, que excede todo o entendimento. Por fim, ele louva a Deus, que é capaz de fazer infinitamente mais do que tudo o que pedimos ou pensamos, segundo o seu poder que atua em nós.

Nesse texto, podemos perceber que Paulo faz uma distinção entre compreensão e entendimento. A compreensão é um dom de Deus, que nos permite apreender a dimensão do seu amor revelado em Cristo. O entendimento é uma capacidade humana, que nos permite raciocinar sobre as causas e os efeitos das coisas. O amor de Cristo é tão grande e misterioso que excede o nosso entendimento, mas não a nossa compreensão. Podemos experimentar esse amor em nosso coração, mesmo sem entender completamente como ele funciona.

Schopenhauer, em sua obra “O mundo como vontade e representação”, também faz uma distinção entre compreensão e conhecimento. Segundo ele, o entendimento é um conhecimento pelas causas (SCHOPENHAUER 2001d, p.28). Todos os animais, inclusive os irracionais, o possuem, pois ele existe em diferentes graus. O animal não necessita constantemente do entendimento, e alguns demonstram mesmo pouca relação com ele. No sujeito, porém, o uso do entendimento é essencial, e a incapacidade para utilizá-lo, ou seja, a incapacidade para fazer uso do princípio da causalidade, é denominada por Schopenhauer de estupidez.

O conhecimento, por outro lado, é um grau superior de cognição, que só pertence aos seres humanos. Ele consiste na reflexão sobre as representações obtidas pelo entendimento. O conhecimento envolve conceitos abstratos e universais, que transcendem a experiência sensível. O conhecimento é a base da ciência e da filosofia.

Podemos concluir que tanto Paulo quanto Schopenhauer reconhecem a importância do entendimento para a vida humana, mas também apontam para uma realidade que vai além dele. Para Paulo, essa realidade é o amor de Deus; para Schopenhauer, é a vontade. Ambos afirmam que há algo que não podemos entender completamente, mas que podemos compreender de alguma forma. Essa compreensão nos abre para uma dimensão mais profunda e significativa da existência.

Para complementar essa reflexão, vale a pena mencionar o livro “Filosofia e cosmovisão cristã”, de J. P. Moreland e William Lane Craig. Nessa obra monumental, os autores oferecem um guia detalhado e abrangente para as áreas de epistemologia (a teoria do conhecimento), metafísica (a teoria da realidade), ética (a teoria da moralidade), filosofia da ciência (a teoria da natureza) e filosofia da religião (a teoria de Deus). Eles apresentam os principais argumentos e teorias dessas áreas com clareza e precisão, sem desconsiderar as visões rivais ao cristianismo.

Os autores defendem que a filosofia é uma atividade importante para os cristãos por vários motivos. Entre eles, podemos destacar:

  • A filosofia auxilia os cristãos na teologia sistemática, na apologética e na atividade polemista, capacitando-os a analisar e refutar visões de mundo opostas ao cristianismo.
  •  A filosofia reflete nossa identidade como seres criados à imagem de Deus, que nos deu a capacidade de pensar racionalmente e de buscar a verdade.
  •  A filosofia mostra como aplicar o ensino bíblico a áreas não tratadas de modo específico nas Escrituras, como questões éticas, científicas e culturais.
  • A filosofia facilita a disciplina espiritual do estudo, que nos ajuda a crescer no conhecimento de Deus e de sua vontade.
  • A filosofia reforça a ousadia e a autoimagem da comunidade cristã, que pode oferecer respostas racionais e relevantes aos desafios do mundo contemporâneo.
  •  A filosofia ajuda a integrar fé e aprendizado, mostrando que não há contradição entre a revelação divina e a razão humana.

Esses são alguns exemplos de como o livro Filosofia e cosmovisão cristã contribui para o nosso entendimento e compreensão da realidade. Ele é uma introdução abrangente e atualizada para todos os que desejam explorar a arquitetura filosófica da realidade à luz da fé cristã.

Para concluir, gostaria de trazer uma abordagem bíblica fundamentada na advertência contida em Provérbios 3:5,6: “Confia no Senhor de todo o teu coração e não te estribes no teu próprio entendimento. Reconhece-o em todos os teus caminhos, e ele endireitará as tuas veredas”. Esse texto nos lembra que o nosso entendimento é limitado e falível, e que não devemos confiar nele como fonte última de verdade. 

Devemos reconhecer que Deus é o criador e o sustentador de todas as coisas, e que ele nos revelou sua vontade em sua Palavra. Devemos submeter o nosso entendimento à autoridade de Deus, buscando compreender o seu amor e a sua graça. Devemos também pedir a Deus que nos ilumine com o seu Espírito Santo, que nos guia em toda a verdade. Assim, poderemos usar a filosofia como uma ferramenta para honrar a Deus e servir ao próximo, sem perder de vista o nosso alvo supremo: glorificar a Deus e gozá-lo para sempre (Catecismo de Westminster).

As fontes e as referências dessa pesquisa, realizada por meio do mecanismo de busca MS Bing, são as seguintes:

  • A Bíblia Sagrada. Tradução de João Ferreira de Almeida, Revista e Atualizada. 2ª ed. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.
  • Ramon, M. A Estética da Angústia. Disponível em https://www.goodreads.com/book/show/32756357-a-est-tica-da-ang-stia
  • Schopenhauer, A. O mundo como vontade e representação. Tradução de Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2001.
  • Schopenhauer, A. Sobre a visão e as cores. Tradução de Maria Lúcia Cacciola. São Paulo: Unesp, 2001.
  • Schopenhauer, A. Sobre a vontade na natureza. Tradução de Maria Lúcia Cacciola. São Paulo: Unesp, 2001.
  • Schopenhauer, A. Sobre o fundamento da moral. Tradução de Maria Lúcia Cacciola. São Paulo: Unesp, 2001.
  • Moreland, J. P. e Craig, W. L. Filosofia e cosmovisão cristã. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2021.
  • Catecismo Maior de Westminster. Disponível em: https://ipb.org.br/content/Arquivos/Catecismo_Maior_de_Westminster.pdf

Por: Adauto Santos, teológo e professor

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